Em teoria econômica, a lógica é implacável: o trabalhador só permanece se a utilidade marginal do seu trabalho, isto é, o valor que gera, cobre o custo de mantê-lo. Com aplicativos e sistemas fazendo boa parte do serviço, esse equilíbrio se torna mais frágil (Por Cássio Moro)Segundo notícia recente, o Itaú dispensou cerca de mil empregados que trabalhavam em home office ou no modelo híbrido. Segundo o sindicato da categoria a razão estaria em um monitoramento sofisticado da produtividade, algo como se o computador tivesse passado a contar até quantas vezes o trabalhador piscava diante da tela.
Segundo o banco, houve uma “revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada”. E, convenhamos, controle de produtividade não é novidade: quem contrata alguém espera, no mínimo, que esse alguém produza o suficiente para pagar o próprio salário.
E aí se levantam debates acalorados sobre os limites do controle que uma empresa pode ter sobre seu trabalhador e até que ponto o monitoramento é válido. Mas o problema é muito maior que esse caso tópico e, se o sindicato não ficar atento, aos bancários pode-se criar algo calamitoso: a questão mais relevante da história não está em saber se o funcionário fez uma pausa maior para o café ou se deixou o teclado esfriar por alguns minutos. O que realmente importa é a transformação radical no mercado de trabalho dos bancos.
Vinte anos atrás, a vida de muita gente girava em torno da agência, mas tudo mudou: comparecíamos mensalmente numa agência e aguardávamos uma vida na fila para pagar os boletos. Ah, então agora não precisamos mais pagar boletos? Antes fosse, mas não, ainda precisamos e talvez mais boletos que antigamente.
A diferença é que não nos deslocamos para tanto, enquanto os caixas não precisam mais digitar intermináveis sequências de números do código de barras, tampouco contar dinheiro em espécie. A tecnologia reduziu o espaço do bancário a tarefas corriqueiras e comercialização de produtos. Os bancos digitais, que nem agência têm, aceleraram o processo e abriram forte concorrência com esse modelo tradicional.
Em teoria econômica, a lógica é implacável: o trabalhador só permanece se a utilidade marginal do seu trabalho, isto é, o valor que gera, cobre o custo de mantê-lo. Com aplicativos e sistemas fazendo boa parte do serviço, esse equilíbrio se torna mais frágil. Não significa que o bancário não tenha valor, mas ele precisa provar, de forma constante, que ainda oferece algo além do que um aplicativo já faz. Não é exatamente uma missão simples competir com a conveniência de um celular que nunca pede férias.
O que mudou também foram os riscos. Antes, bancários adoeciam por movimentos repetitivos: digitação sem parar, contagem de cédulas, esforço físico diante de pilhas de papéis. Hoje, a ameaça é psicológica. A pressão por metas de venda, a cobrança constante, a sensação de que cada clique pode ser avaliado em tempo real substituem a velha dor no punho por uma ansiedade que mina o emocional. O bancário, que já teve tendinite, agora corre o risco de colapsar emocionalmente, pressionado a vender.
E há algo mais desconfortável à frente: não é apenas a cobrança ou o estresse: é a própria existência da profissão. As transformações tecnológicas apontam para um futuro em que a função bancária, como conhecemos, pode simplesmente desaparecer.
A notícia das mil dispensas, em um universo de quase 100 mil funcionários do Itaú, representa pouco mais de 1% do quadro. O efeito simbólico é grande, de fato: Quando uma instituição desse porte ajusta sua lógica de contratação, isso pode demonstrar uma tendência.
Por isso, causa certa perplexidade ver sindicatos e sociedade gastarem tanta energia reagindo apenas a episódios isolados. Claro, mil pessoas perderem o emprego de uma vez não é pouco. Mas, se essa energia não for canalizada para enfrentar as causas — a revolução tecnológica que corrói postos de trabalho — e buscar novas formas de atuação do profissional bancário, continuaremos apenas enxugando gelo. O problema não é o banco que dispensou ontem, mas o setor que talvez nem tenha o que demitir amanhã.
Mais do que protestar contra um efeito pontual, é preciso pensar em alternativas reais para a sobrevivência da categoria. Requalificação, novos espaços de atuação, reinvenção do trabalho. É uma tarefa árdua, ingrata, que exige visão de futuro e coragem para encarar a realidade. Mas é isso ou, daqui a pouco, restará ao sindicato a missão de defender a profissão de bancário como quem defende a volta da fita cassete: com saudade, mas sem mercado. (Fonte: A Gazeta)
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