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Sindicato dos Bancários de Ponta Grossa e Região

Gestor fiduciário do Banco Santos: como foram recuperados mais de R$ 3 bi

27/03/2024
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O instante em que se dá a publicação deste escrito, pode ele ser útil, ao servir de subsídio e levar à reflexão sobre diversos temas no meio do amplo debate a que está submetido o Projeto de Lei 3/2024, o qual altera profundamente a Lei 11.101/05. (Por Vânio Cesar Pickler Aguiar) - foto divulgação - 

Divulgado o parecer há pouco mais de uma semana, o mundo jurídico entrou em ebulição: mais de 1.700 administradores judiciais e operadores do direito nesta área assinaram manifesto solicitando a suspensão do trâmite em caráter de urgência do PL, dada a profundidade e a extensão do Projeto de Lei 3/2024, o que, infelizmente, não foi acatado pela Presidência da Câmara, que tem por presidente um nobre jurista.

Não é preciso dizer que a pressa na votação de tão profundas mudanças na legislação em vigor, proposta pelo Poder Executivo, relembre-se, obscurece o processo democrático, a participação da sociedade civil no processo de legislativo, das associações de classe etc., o que não é, para dizer o mínimo, saudável, do ponto de vista do jogo democrático e do aperfeiçoamento da legislação.

Quantas propostas de aprimoramento e melhoramento ao corajoso e inovador PL 3/24 não serão desperdiçadas? Não se nega que algo tenha que ser feito, isto é verdade, mas um pouco mais de tempo, alguns poucos meses que sejam, não se reverterá num desperdício de tempo, mas de ganho dele.

Como é de conhecimento público fui o interventor nomeado pelo Banco Central junto ao Banco Santos, tendo os credores solicitado a liquidação extrajudicial e distribuição imediata do pedido de falência. Na decretação da quebra fui convidado pelo Juízo falimentar a permanecer como administrador judicial.

Não é preciso dizer a enorme economia de tempo e dinheiro que isso tudo redundou para os credores do Banco Santos, posto que já conhecia, junto com minha equipe, as principais características do ativo e do passivo da instituição financeira.

É até intuitivo se ver que a troca constante de administradores judiciais e respectivas equipes, só demandam tempo de (re)aprendizagem e custos para os credores, sem contar que se perde o histórico da falência, ou da recuperação judicial.

E este histórico fica mais bem registrado na memória de quem trabalha diariamente na gestão das empresas administradas do que em qualquer relatório gerencial que seja, bastando comparar o tempo que um juiz ou um advogado que nunca cuidou “daquele” processo despende, quando tem contato com ele pela primeira vez, notadamente quando ele tem milhares de folhas, comparado com aqueles de que dele trata diuturnamente. A diferença é brutal.

Mas voltando ao tema, tem-se que a quase totalidade dos ativos do Banco Santos eram de natureza litigiosa, de valor de impossível estimativa naquele momento, pela simples razão de que não se encontravam judicializados, não havendo decisões que pudessem suportar qualquer previsibilidade quanto ao desfecho das lides que se avizinhavam.

Operações casadas, com reciprocidade, aplicações no exterior, aluguel de cédulas de produto rural, entre outras operações heterodoxas que imperavam no banco, sempre em proveito do seu controlador, conhecido como mecenas das artes, e dos clientes do banco que participavam dessas operações, que lhes propiciavam, no mais das vezes, o pagamento de taxas de juros negativas, a evasão de divisas, a apuração de lucros ou prejuízos fictícios em seus balanços, entre outros.

Na assembleia geral de credores, realizada meses depois, demonstrada a impossibilidade de se avaliar as lides que se avizinhavam, a única perspectiva que se tinha era de pagar quase que exclusivamente os credores extraconcursais, no caso bancos estrangeiros que cederam linhas de crédito à exportação (ACC).

Mais debate

Se em vigor as regras agora propostas (que, salvo melhor juízo, merecem um maior debate e uma maior reflexão), as classes tributárias e quirografárias não teriam direito a voto no eventual conclave. Igual observação se faz em relação a alteração para que, no prazo de 60 dias, seja apresentado um plano de falência (que plano? Não se tinha previsibilidade sobre a solução das lides que se avizinhavam? Qual a informação que teriam os credores para decidir? E o Administrador Judicial para elaborar qualquer plano? Todos trabalhariam no escuro?).

Agora, depois de passados vários anos, é de clara observação que no prazo de 60 dias o máximo que se teria seria um ligeiro desenho da estratégia a ser utilizada nessas lides. E, tampouco, seria inteligente trazer às claras as estratégias de recuperação de ativos, principalmente a busca de ativos no exterior e os pedidos de extensão às empresas do controlador, ou a estratégia que seria utilizada contra os devedores do Banco Santos, verdadeiros coautores de sua bancarrota.

Desde o início da falência, em 2005, a administração judicial já publicava na internet os principais eventos e documentos relativos ao processo falimentar, incluindo as prestações de contas mensais, além da atualização semestral do quadro geral de credores (QGC), homologado em setembro de 2015. Para o novo regime que se pretende implementar tais providências, inequivocamente úteis ao processo, seriam consideradas distorções a serem corrigidas.

A quase totalidade dos ativos de créditos arrecadados foram objeto de ações declaratórias impedindo a sua cobrança. Até hoje há ativos com impedimento de cobrança e, consequentemente, de alienação, sendo registrados como contingências ou passivos em potencial.

Para permitir o ingresso de recursos no caixa da massa foi aprovada uma política de acordos que concedia um deságio de 75% na parte controversa dos ativos de crédito. Esta política propiciou no período de 2006 a 2010 a realização de 93 acordos no montante de R$ 514 milhões. Em 2011, nova política de acordo, mais restritiva, angariou recursos até fevereiro de 2024 na ordem de R$ 1,244 bilhão em 88 acordos feitos, homologados pelo juízo falimentar, com manutenção da decisão pelo Tribunal nos casos julgados até esta data.

Para se ter ideia do feito desta falência, destaca-se que em 2010 avaliação da carteira de crédito do Banco Santos foi realizada, resultando no valor de R$ 277 milhões no melhor cenário, com os credores descartando sua alienação.

O resultado de nova avaliação da carteira de crédito realizada em 2021 atingiu o valor de R$ 2,5 bilhões de reais e foi homologada meses depois ao valor de R$ 1,57 bilhão de reais, valor este reduzido pela realização de acordos no período.

Relatório
Números da prestação de contas de fevereiro de 2024 demonstram os seguintes dados do processo falimentar:

a) foram realizados ativos no valor de R$ 2,975 bilhões, sendo R$ 390 milhões advindos de ativos extraordinários;
b) foi pago a  1.010 credores o montante de R$ 2,351 bilhões, tendo sido liquidados integralmente mais de 1.200 credores das classes anteriores aos quirografários ou com valores inferiores a R$ 10.000;
c) os credores quirografários receberam parte dos seus haveres em oito rateios, estando em curso um nono rateio no valor estimado de R$ 163 milhões, que, se aprovado, significará o pagamento, em valores históricos, de 85% aos credores da classe quirografária;
d) contam os credores com valores a receber por acordos parcelados no total de R$ 240 milhões;
e) o valor das disponibilidades é da ordem de R$ 486 milhões, com a constituição de reservas e provisões da ordem de R$ 212 milhões;
f) os passivos remanescentes atingiram o valor de R$ 1,284 bilhões, com o passivo total, a valores históricos, contemplando o montante de R$  3,636 bilhões.

Os ativos extraordinários, não previstos no plano de falência apresentado em 2006, derivam-se dos pedidos julgados em 2007 de extensão de falência a empresas do falido ou terceiros, controladas por offshores, representados por alienação de obras de arte e imóveis, no país e no exterior, cobrança de créditos securitizados, ações revocatórias, entre outros. Dentre os ativos extraordinários cita-se pela sua relevância, o leilão da mansão da rua Gália.

Outro ativo extraordinário alienado foi a obra de arte “Hannibal” de Jean-Michel Basquiat, arrecadado em 2008 em um galpão nos Estados Unidos. No primeiro leilão em Nova York em 2015, com lance mínimo de US$ 6 milhões, não houve interessados. Um ano depois, em leilão realizado em Londres pela Sotheby´s a obra foi arrematada por 10,6 milhões de libras, o equivalente, na época, a R$ 42 milhões.

A localização de ativos do Banco Santos, ou se seu controlador, no exterior só foi possível, em razão da sua situação falimentar. Uma rápida extinção dessa posição processual, dessa legitimação processual, fecharia as portas a tal possibilidade. E constatar a ocorrência desse tipo de fraude na falida, requer tempo e profissionais especializados.

O pagamento aos credores à medida que os recursos estejam disponíveis para rateio, é uma prática adotada pela administração judicial em todas as falências que atua. Foram pagos integralmente todas as classes anteriores à dos quirografários no total de R$ 376 milhões. E para a classe quirografária, foram pagos oito rateios, no montante de R$ 1,976 bilhão, remanescendo um saldo a pagar, em valores históricos, de R$ 608 milhões.

O índice Custo Fixo sobre a Realização do Ativo é de somente 1,76%. Adicionando a remuneração da administração judicial arbitrada em 1,00% (um por cento), o índice final é inferior a 3%.

Conflito de competência com a Justiça Criminal Federal suscitado pela administração judicial junto ao STJ e encampado pelo Ministério Público Estadual, conseguiu liminarmente em 2006 arrecadar para a massa falida bens do controlador que estavam em poder dos museus e desviados ao exterior, sendo pilar relevante e fundamental a intervenção da promotoria de falências na assinatura de um termo de ajustamento recíproco com os juízes das esferas estadual e federal.

A homologação em 23/6/2022 pelo juízo falimentar da avaliação da carteira de crédito do Banco Santos ensejaria sua alienação no curto prazo e provável encerramento da falência em até seis meses, suspenso, porém, em razão de um pedido de desconsideração da personalidade jurídica, envolvendo as massas falidas da Sanvest e Santospar.

Atualmente, aguarda-se

a) deliberação sobre a proposta do nono rateio;
b) decisão final dos IDPJ acolhidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo;
c) deliberação sobre a necessidade de uma nova avaliação da carteira de crédito, com a separação dos processos sujeitos a possível compensação ou novas DPJ;
d) julgamento da ação civil pública quanto aos demais administradores do banco, e;
e) incorporação do superávit das falências da Santos Seguradora e da  Santos Cia de Seguros (a Valor Capitalização ocorreu semanas atrás) [8].

Há de se ressaltar que no Banco Santos, assim como de outros, os muitos anos do processo falimentar tem como origem o longo trâmite dos processos de recuperação de ativos, judicializados no Brasil e no exterior. Se atendidos os termos do PL 3/2024, vários administradores judiciais e respectivas equipes e gestores fiduciários se alternarão numa falência, à espera de um precatório de emissão e pagamento incerto, ou de uma decisão de última instância que obrigue o devedor a liquidar seu débito, e o liquide ou não (definitivamente), impondo maiores custos aos credores e ao falido.

Assim, dada a facultatividade da figura do gestor fiduciário que foi proposta no artigo 21-A e seus § 7º do PL 03/2024, quer nos parecer que o projeto de lei não parece ter ido por bom caminho ao impingir ao administrador judicial provisório a obrigação de apresentar, no curto espaço de até sessenta dias, o plano de falência (artigo 22, III, “u” c/c 82-C) e, também no curto espaço de cinco dias a convocação e realização da assembleia geral de credores para a eleição ou não de gestor fiduciário (artigo 21-A, § 2º).

Ora, este acúmulo de tarefas parece ser contraproducente e no prazo exíguo definido para elaboração de um plano de falência, o máximo que se terá é uma peça de ficção.

Na falência se tem as regras para seu início, mas, ainda não se tem, por melhor que seja o administrador judicial, plano que consiga prever seu encerramento, devendo, isto sim, propor plano de realização dos ativos arrecadados, estratégias para busca de ativos ocultos e política de acordos, sempre tendo-se consciência que as demandas judiciais podem levar anos ou décadas para dar aos credores algum retorno de seus haveres.

Espero, com este relato sintético, ter contribuído para o amplo debate sobre. (Fonte: Conjur)

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